Entre os pacientes que sofrem da chamada migrânea crônica (enxaqueca) os índices de distúrbios depressivos chegam a ser seis vezes maiores do que entre o restante da população. Mas, apesar da depressão ser uma das comorbidades mais prevalentes entre os enxaquecosos, a relação entre essas duas patologias ainda não está devidamente esclarecida.

Atualmente, a hipótese mais aceita é a de que os dois quadros formam uma via de mão-dupla. Isto é: por um lado, o paciente que tem dores de cabeça crônicas está mais suscetível a desenvolver um quadro depressivo, tanto por razões psicológicas, quanto neuroquímicas; e, por outro, a depressão é também um gatilho relevante para o surgimento das crises de dor e mal-estar.

Em termos genéticos e neuroquímicos, estudos têm sugerido a a existência de falhas comuns que levam à predisposição, tanto para a enxaqueca, quanto para a depressão. Uma das fortes hipóteses analisadas atualmente é a de que existam determinadas disfunções na neurotransmissão de serotonina que estariam diretamente implicadas na existência de ambas as patologias.

A serotonina é um neurotransmissor produzido no tronco encefálico, que está diretamente envolvida na regulação de importantes funções no nosso organismo, como sono, humor, apetite, etc.

Ter o conhecimento sobre a estreita relação entre esses dois quadros é algo de extrema importância para diagnósticos e tratamentos mais assertivos. Pacientes e profissionais de saúde devem estar atentos a isso.

Cabe ressaltar que essa é uma das vantagens da terapêutica com a toxina botulínica – considerada hoje como o tratamento preventivo com os melhores níveis de evidência de eficácia e segurança na migrânea crônica.

A toxina botulinica age bloqueando a liberação de neurotransmissores da dor, como glutamato, substancia P e CGRP nos receptores sensitivos, reduzindo consideravelmente a duração, intensidade e frequência das crises de dor, sem, no entanto, implicar em maiores efeitos sistêmicos de médio ou longo prazos.

Em geral, esse tratamento costuma ser um divisor de águas na vida do paciente, representando um ponto de viragem para um controle mais efetivo das crises. Não são raros os casos de pacientes que chegam a ficar vários meses sem um episódio de dor e, mais frequentes ainda, são os relatos de diminuição na intensidade e na frequência das crises.

Com um melhor estado geral – leia-se: menos dor – o paciente ganha condições de gerenciar os chamados “gatilhos” das crises, empreendendo importantes alterações nos hábitos e rotinas, em áreas cruciais como: alimentação, prática de atividade física, rotina de sono e gestão do estresse/ansiedade. É uma implicação direta na qualidade de vida, impactando naturalmente o estado psicoemocional.

Isso não quer dizer, contudo, que as terapias auxiliares, tanto para o controle do quadro enxaquecoso em si, como direcionadas ao quadro depressivo sejam dispensáveis nesse processo. Antes, pelo contrário. O sucesso no combate a enxaqueca é multidisciplinar e, não-raro, exige sim um plano de tratamento específico para a questão da depressão.

Nesse sentido, diversas abordagens são especialmente bem-vindas. Destaque para a Psicoterapia, em especial para a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), por ser especialmente eficaz no combate à depressão e, mais recentemente, para a Neuromodulação – procedimento que, por meio de ondas eletromagnéticas é capaz de modificar (modular) os padrões de funcionamento cerebral, tendo hoje especial indicação para o tratamento dos distúrbios depressivos.